Sentença: Trata-se
de mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos
Municipal de Una – BA em face do Município de Una sob alegação de uma
supressão de garantias, como “pagamento de promoção por antiguidade,
garantido pela lei nº 554/97 e do abono de férias no importe de ½ salário,
garantido pela Lei Orgânica do Município”.
Alega o Impetrante que tais supressões ocorreram sem o devido processo legal,
sem prévio processo administrativo, bem como sustenta em sua peça vestibular
a constitucionalidade das leis, pugnando pela concessão de liminar, bem como
da ordem ao final do processo.
Notificada, a Autoridade Coatora prestou informações às folhas 228/258,
alegando em síntese que houve ciência do sindicato e, portanto, não violado o
contraditório, autotutela administrativa para não cumprir normas
inconstitucionais fundamentando seu posicionamento na inconstitucionalidade
das mencionadas normas (Lei Municipal 554 e Lei Orgânica).
O Ministério Público, instado para se manifestar vislumbrou que a decisão da
Administração Pública feriu ampla defesa por falta de instauração de processo
administrativo e no mérito suscitou pela declaração da constitucionalidade da
concessão da gratificação por tempo de serviço e declaração de
inconstitucionalidade de garantia de ½ de salário nas férias.
O Sindicado juntou aos autos cópia de documentos comprobatórios de que há
dispositivo legal municipal que garante ½ do salário nas férias com aprovação
de norma cujo projeto de lei foi de iniciativa do executivo.
O Município de Una manifestou sobre documentos, sustentando os argumentos
anteriores, bem como da impossibilidade de juntada dos documentos
extemporâneos.
O Ministério Público suscitou novamente a concessão da ordem, integralmente,
mantendo-se a inconstitucionalidade da Lei Orgânica, contudo deferindo-se os
benefícios de ½ do salário em férias por expressa previsão em lei (Estatuto
dos Servidores).
É o breve relato.
FUNDAMENTAÇÃO
- Violação ao artigo 5º, LV, CF – ampla defesa e contraditório -
Verifica-se que o Município de Una não se atentou aos princípios
constitucionais da ampla defesa e contraditório insculpidos na Constituição
Federal quando da supressão de garantias dos servidores.
É consabido que a Administração Pública goza de prerrogativas, dentre elas o
poder de autotutela consistente em revogar atos administrativos (mérito) ou
anulá-los (ilegalidade), inclusive a matéria encontra-se sedimentada conforme
súmula 473 do Excelso Supremo Tribunal Federal.
No entanto, a jurisprudência é uníssona na interpretação em conjunto da
prerrogativa de autotutela com o princípio da ampla defesa previsto na
Constituição Federal, pois quando a Administração exerce seu poder
correicional (assim podendo denominar a autotutela por eventual ilegalidade)
e este atingir direitos dos administrados, é imprescindível oportunidade de
manifestação destes em atenção à ampla defesa.
O Impetrado alegou não ter violado à ampla defesa quando cientificou o
Sindicato das mencionadas decisões de supressão de direitos anteriormente
concedidos aos servidores.
Tal notificação de decisão não tem aptidão para se afirmar que houve ampla
defesa, porque notificar de decisão tomada é o mesmo que intimar um Réu da
sentença condenatória em um processo sem garantir sua citação inicial para
contestar ou se manifestar nos autos.
Assim sendo, vislumbro concessão da ordem pela violação ao princípio da ampla
defesa e contraditório previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição
Federal.
- Da Constitucionalidade dos direitos suprimidos -
A declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas
municipais de garantem direitos aos servidores públicos pode ser aferida de
forma incidental na presente demanda, porém por se tratar de mandado de
segurança não há possibilidade de se aferir inúmeras questões técnicas que
devem ser analisadas quando de leis concessivas de direitos aos servidores
públicos.
É certo que há normas que versam sobre limites financeiros que devem ser
analisadas quando da edição de leis que garantam o gozo de privilégios
pecuniários, fato que notoriamente é desconhecido e desrespeitado no país de
forma geral e histórica pelos gestores.
As inúmeras concessões de benefícios são conferidas, precipuamente, com
caráter eleitoral e para autopromoção sem a devida imparcialidade que deveria
ser observada pelo Estado.
Não obstante, pelo que consta dos autos, pode-se verificar que, em tese, não
há qualquer inconstitucionalidade na concessão de benefícios aos servidores
pelo mesmo fato gerador (no caso, tempo de serviço), pois a Constituição
Federal veda o cálculo em cascata, cuja fórmula para cálculos é simples:
Vencimento (gratificação x + gratificação y).
Importante destacar, para extirpar qualquer dúvida, que a remuneração é equivalente
aos vencimentos no plural, enquanto vencimento no singular equivale a salário
base. Logo, remuneração é a soma do salário base (vencimento) +
gratificações.
O Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia tem se posicionado dessa forma, pois a
partir da EC 19/98 não há mais óbice para gratificações provenientes do mesmo
fato gerador.
Ementa: Apelação Cível em Ação Ordinária. Policial Militar Inativo. GAP.
Policial Militar. Servidor Inativo. Incorporação de Gratificação Recebida
pelos Servidores em Atividade com Caráter de Aumento de Remuneração.
Possibilidade. Acúmulo de Vantagens com Mesmo Fato Gerador. Vedação que Caiu
com a Emenda Constitucional Nº 19/98. Incidência sobre Vencimento Básico para
não Configurar Superposição de Vantagens. Rejeita-se a prejudicial de mérito
da prescrição do fundo do direito, tendo em vista que o pagamento de
gratificação é questão de trato sucessivo, que importa na renovação do prazo
prescricional mês a mês, não sendo, portanto, hipótese de prescrição do fundo
do direito. Contudo, reconhece-se a prescrição incidente sobre as parcelas
que antecederam o quinquênio anterior ao ajuizamento da ação. Se a verba
relativa à gratificação paga aos servidores em atividade não representa
retribuição pelo desempenho, consistindo apenas em aumento de salário, sob
roupagem de gratificação, deve ser incorporada aos proventos dos aposentados
ou pensionistas, conforme disposto no § 8º do art. 40 da Constituição da
República. Com a Emenda Constitucional nº 19/98, deixou de existir embasamento
legal para a não concessão de vantagens aos servidores que, inclusive,
possuam outras gratificações com o mesmo fato gerador, desde que incidam
apenas sobre o vencimento básico, de modo a evitar a chamada superposição de
vantagens, o que consistiria em flagrante violação ao art. 37, XIV, da
Constituição Federal. Juros de mora. 0,5% ao mês. Inteligência do art. 1º-F
da Lei nº 9.494/97. Sentença integrada. Improvimento do Recurso. Confirmação
da Sentença.
(APL 01011554820118050001 – Relatora Designada Maria da Purificação da Silva)
Assim sendo, não há falar em inconstitucionalidade na concessão da mencionada
gratificação de forma cumulativa em face do mesmo fato gerador.
Por outro lado, reconheço a existência de inconstitucionalidade formal no
artigo 19, §2º, IX, da Lei Orgânica Municipal porque o Poder Legislativo não
pode criar norma que aumente despesa municipal a ser arcada pelo Poder
Executivo, por vício de iniciativa.
Contudo, é imperioso anotar que há no Município norma legal que garante aos
servidores públicos o mesmo benefício, constante do Estatuto dos Servidores,
conforme folha 149 dos autos, documento acostado ainda com a inicial, fato
que afasta a tese do Município de que a alegação somente fora feita
posteriormente.
Ademais, é imperioso anotar que, ainda que reconhecida a
inconstitucionalidade formal da Lei Orgânica Municipal, a ampla defesa deve
ser observada sempre que a autotutela for suprimir vantagem do administrado,
fato que impediria o Município de se escusar de efetuar o pagamento sem atender
ao mencionado princípio da ampla defesa.
- Da prévia dotação orçamentária para concessão dos benefícios -
O presente mandado de segurança não comporta dilação probatória para checar
se houve ou não prévio estudo financeiro por parte dos ex-gestores quando das
inúmeras concessões de benefícios.
O artigo 169 da Constituição Federal realmente preceitua que a criação de
despesa depende de prévia dotação orçamentária e é de pleno conhecimento que
no Município de Una algumas das gestões anteriores não observava o mínimo e
geriu de forma completamente irresponsável o dinheiro público.
No entanto, a própria Constituição Federal assegura como mecanismos para
cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, quais sejam: i) REDUÇÃO EM
PELO MENOS 20% de despesas com cargos em comissão e funções de confiança; ii)
exoneração dos servidores não estáveis; iii) em último caso, exoneração de
servidores estáveis.
Assim sendo, não há como acolher a alegação do Município de que não houve
prévia dotação orçamentária na época da concessão porque o feito não comporta
dilação probatória.
- DISPOSITIVO -
Diante do exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para determinar que o Município de Una
proceda o pagamento da promoção por antiguidade a ser calculado de forma
simples (sobre o salário base) e o adicional de ½ do salário como abono de
férias, declarando a constitucionalidade incidental dos artigos 79 da Lei
Complementar 001/1994 e artigo 15 da Lei Ordinária 554/1997, ambas
municipais, bem como declarar a inconstitucionalidade do artigo 19, §2º, IX,
da Lei Orgânica Municipal, reconhecendo a existência de norma infralegal que
garanta o mesmo direito aos servidores públicos (art. 144 do Estatuto dos
Servidores Públicos Municipais. Defiro liminar em sentença, para determinar
que o Município cumpra a medida no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa
diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a contar da intimação da sentença.
Em consequência, RESOLVO O MÉRITO com base no artigo 269, I, do Código de
Processo Civil, sem condenação das partes ao pagamento de custas e honorários
de sucumbência, com base no artigo 25 da Lei 12.016/09.
Por se tratar de mandado de segurança com concessão da ordem contra o
Município, não havendo recurso das partes, determino a remessa dos autos ao
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia com base no artigo 14, §1º, da
Lei 12.016/09.
Publique-se; Registre-se; Intimem-se.
Una – BA, 30 de junho de 2015.
Maurício Alvares Barra
Juiz Substituto
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